Pecar é Omitir-se. Será?
Este é o momento em que o mais desatento dos leitores desta série deverá ser capaz de me acusar de parcialidade, porque terá percebido que estou falando o tempo todo em espírito subversivo, em comunidade inclusiva e mudar o mundo, e não reservei qualquer espaço ou qualquer ênfase para falar de pecado ou de condenação (que é sua consorte) ou de salvação (que é o seu algoz). Quem me acompanhou até aqui poderá ter a impressão de que a boa nova que encontro nos evangelhos e neste livro de Atos apregoa menos uma religião a ser adotada (ou uma salvação a ser apropriada) do que um movimento revolucionário, com conotações vagamente hippies, cuja imoderada ambição é derrubar preconceitos, desarmar impérios e corrigir desigualdades ancestrais tendo um sonho por capacete e uma flor por espada. Meu leitor poderá pensar que vejo o cristianismo deste primeiro século como uma conspiração radical e pacífica, soprada do céu mas com consequências muito práticas e exigentes neste nosso mundo; um movimento humanitário e humanizador cuja marca mais visível e consistente era a promoção de toda sorte de inusitada reforma social, tendo em vista a criação de uma nova e radicalmente inclusiva estirpe de comunidade, pelo uso indiscriminado e intransigente da (sempre perigosa) ferramenta da paz e do amor. Poderá concluir que é mais ou menos isso que, na minha visão, Jesus entendia por reino de Deus.
E pensando assim não estará muito longe da verdade.
Porém mesmo quem se mostrou capaz de concordar comigo que para Lucas arrepender-se é mudar o mundo pela via da inclusão social (e não, como costumamos pensar, “abandonar o pecado” em qualquer sentido convencional) pode não resistir à indelicadeza de me lembrar que o batismo, tanto no livro de Atos quanto no evangelho do mesmo autor, é declaradamente administrado “tendo em vista a absolvição dos pecados”.
É precisamente o que Pedro acaba de dizer em sua resposta exemplar aos romeiros do Pentecostes (Atos 2:38), e é assim que Lucas descreve o batismo administrado por João durante o seu ministério (Lucas 1:77, 3:3). Não há como escapar que, para o autor de Lucas-Atos, o batismo (quer entendido como mergulho na água, na comunidade dos discípulos ou no espírito de Jesus), possibilitava por si mesmo o resgate ou absolvição dos pecados – ou estava, pelo menos, irreparavelmente associado a esse indulto.
Como que para reforçar essa vitória final sobre a transgressão e o ingresso num novo modo de vida (movimento duplo que, afinal de contas, consiste na leitura usual que fazemos do batismo), Pedro conclui sua resposta exemplar com essa mesma ênfase no pecado: “salvai-vos desta geração perversa” (v. 40).
Não estarei então, com essa história de paz e amor e de reforma social, sendo culpado de dourar a pílula e de minimizar as ênfases dos apóstolos na necessidade de uma nova vida de pureza não apenas social mas pessoal (ou, para chutar o pau da barraca, já que é nisso que estamos sempre pensando, pureza sexual)?
Quando Lucas fala em “remissão dos pecados”, de que pecados estamos falando?
Podemos, sem forçar nem um pouco a mão, supor que nos versos acima a “remissão (ou absolvição) dos pecados” refere-se a toda sorte de transgressões – das mais ligeiras às mais severas, das mais enraizadas às mais recentes, das mais distraídas às mais fogosas; podemos ainda, como fizemos há alguns parágrafos, supor que incluía tanto as faltas que podiam ser canceladas pela apresentação de sacrifícios quanto aquelas que nenhuma oferta podia apagar.
Porém não temos como saber ao certo, porque ninguém nos evangelhos ou no livro de Atos rebaixa-se a fazer uma lista de pecados ou a dividi-los em classes ou categorias. Fomos nós que mais tarde nos alçamos a preencher essa lacuna e empreendemos uma temerária tabulação (e talvez não exista pecado maior).
Isso não quer dizer, no entanto, que não haja indicação muito clara, nos evangelhos, de quais são na visão de Jesus e de João Batista os pecados mais condenáveis – porque temos de supor que as faltas que mais frequentemente reprovam representam para eles também os pecados mais graves. E, para surpresa e embaraço dos que se afirmam representantes legítimos da sua herança, os pecados que Jesus e seu precursor consistentemente denunciam não são aqueles que chamamos “da carne” – a promiscuidade, o adultério, a luxúria, a gula, a embriaguez e suas criativas e embraçosas variações, – nem os pecados que classificamos como espirituais – a idolatria, a incredulidade, a impenitência e seus et ceteras.
Para Jesus, nossas faltas mais graves são justamente os nossos pecados mais frequentes e mais públicos – e também os mais invisíveis, aqueles que precisamos de uma epifania, uma poderosa e inclemente intervenção exterior, para sermos capazes de enxergar. Porque para ele os pecados realmente graves não são os que promovem as distrações da carne ou as atrofias da irreligião, mas os que dizem respeito às relações entre as pessoas. Pecar não é rebaixar-se ao sensorial ou negar-se a dobrar-se à devida evidência; pecar é recusar-se a ser como Deus, e recusar-se a ser como ele é recusar-se a oferecer indiscriminadamente a misericórdia. Pecar é sonegar um abraço, um curativo e um lugar à mesa.
O incrível é que essa sua opinião seja endossada sem ressalvas por ninguém menos que João Batista, o asceta e o outsider, o profeta que pelo que sabemos não conheceu o abraço sexual, que se vestia de pelos de camelo, vivia monasticamente no deserto e recusava-se a se alimentar do que não lhe fosse entregue sem intermediários pela natureza. Como vimos há pouco, o próprio João Batista, embora mantivesse a sua sob controle, recusava-se a imprimir qualquer ênfase sobre os pecados da carne; os frutos do arrependimento que ele reconhece e recomenda dizem todos respeito à aplicação da misericórdia e da justiça na relação entre as pessoas1.
No Novo Testamento o pecado a ser abandonado, perdoado e corrigido está invariavelmente ligado à qualidade da nossa relação com o outro. Abandonar o pecado (ou, alternativamente, “vencer a carne”) é adotar um modo de vida e de pensar justo e igualitário, e talvez nenhum outro evangelista se esforce para deixar isso mais claro do que o autor de Lucas-Atos.
Já vimos que a questão da generosidade e da distribuição igualitária de recursos está no cerne da parábola do rico e do Lázaro (Lucas 16:19-31). Mas a inclusividade e a misericórdia são também as lições de outra parábola peculiar a Lucas, a história do bom samaritano (10:33-36). Tecnicamente o levita e o sacerdote não cometeram pecado algum passando ao largo do homem ferido na estrada; ao contrário, não seria fora de tom, naquele tempo, elogiar o zelo dos dois em manter a pureza ritual e, consequentemente, sua aptidão para participar do culto no Templo. Ao apresentar a generosidade sem critério e sem medida do samaritano que passou em seguida, Jesus está explicando (a seu modo sempre transversal) que o pecado dos dois primeiros não foi, incrivelmente, de natureza positiva, mas negativa. Ambos se tornaram condenáveis não por algo que fizeram, mas por algo que deixaram de fazer. Seu pecado foi omitirem-se.
Essa preocupação com a correção das injustiças sociais é um dos temas centrais da doutrina de Lucas. Como vimos, é apenas Lucas que explica que os frutos do arrependimento são demonstrações de generosidade e justiça. É apenas Lucas que faz Jesus dizer aos discípulos (e não apenas ao jovem rico) “vendam o que possuem e dêem como esmola” (12:33). A inclusividade e a misericórdia são ainda a chave da parábola (também peculiar a Lucas) do filho pródigo (15:11-32). É apenas Lucas que conta a história de Zaqueu (19:1-10), que viu a face da salvação no dia em que decidiu restituir as injustiças econômicas que havia imposto aos submetidos à sua influência. E, como estamos prestes a ver, esta ênfase humanitária e igualitária se estenderá muito inequicamente livro de Atos adentro.
E, embora seja Lucas a escancarar o tema, será preciso lembrar que este assunto e esta ênfase não são de modo alguma exclusividade sua. Para levantar um único e espetacular exemplo, basta lembrar a última porção (25:31-46) do último discurso público de Jesus registrado no evangelho de Mateus. Aqui o rabi de Nazaré está muito declaradamente separando ovelhas de bodes: a triagem final está sendo feita entre os que serão admitidos no paraíso e os que serão lançados sem trâmite no inferno. E, inacreditavelmente, na opinião de Jesus os pecados que merecem o inferno não são, nenhum deles, convencionais ou positivos. Neste que é o último momento e definitivo momento, o filho do Homem (e portanto o próprio Deus) não reserva uma palavra de condenação para os idólatras, os apóstatas, os adúlteros, os lascivos e os incrédulos. Escandalosamente, na cena final os condenados não são os que fizeram o que não era permitido, mas os que deixaram de fazer o bem ao próximo – “porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; era forasteiro, e não me acolhestes; estava nu, e não me vestistes; enfermo, e na prisão, e não me visitastes”.
A última mensagem de Jesus na narrativa de Mateus é, portanto, a mesma tão calorosamente avançada por Lucas ao longo do seu próprio evangelho e da sua continuação. Para nós a reviravolta reside em que, ao contrário de tudo que a tradição cristã levou-nos a pensar nos séculos que nos separam dos dias do Filho do Homem, pecar não é fazer o proibido: pecar é omitir-se. “Sempre que o deixaste de fazer a um destes mais pequeninos, deixastes de o fazer a mim”.
E ele não hesita em pontuar singelamente: “E irão eles para o castigo eterno, mas os justos [isto é, os que não se omitiram] para a vida eterna”.
Uma das tremendas singularidades dos evangelhos, portanto, está na sua insistência e na sua consistência em sugerir que todos os pecados são sociais – ou melhor dizendo, todos os pecados dizem respeito às relações interpessoais.
Esta realidade está encapsulada nos dois mandamentos que Jesus reconheceu como estando acima de todos os outros, as injunções de amar a Deus (sobre todas as coisas) e amar ao próximo (como nós mesmos). Se são esses os grandes mandamentos, são essas também as grandes transgressões. Pecar não é avançar contra o que é proibido, é mostrar-se em falta com as pessoas.
É por isso, naturalmente, que arrepender-se é abraçar a inclusividade e a misericórdia; porque fazer isso é deixar, finalmente, de pecar contra Deus e contra o próximo. É evidentemente isso o que Pedro está dizendo com este “salvai-vos desta geração perversa” – isto é, desassociem-se por completo do modo exclusivo/egoísta de viver e de pensar das pessoas deste mundo. E que Pedro cria que a alternativa à perversidade do mundo são a inclusividade e a generosidade (e não, digamos, o ascetismo e a religiosidade), ficará muito claro no que acontecerá depois.
E pensando assim não estará muito longe da verdade.
Porém mesmo quem se mostrou capaz de concordar comigo que para Lucas arrepender-se é mudar o mundo pela via da inclusão social (e não, como costumamos pensar, “abandonar o pecado” em qualquer sentido convencional) pode não resistir à indelicadeza de me lembrar que o batismo, tanto no livro de Atos quanto no evangelho do mesmo autor, é declaradamente administrado “tendo em vista a absolvição dos pecados”.
É precisamente o que Pedro acaba de dizer em sua resposta exemplar aos romeiros do Pentecostes (Atos 2:38), e é assim que Lucas descreve o batismo administrado por João durante o seu ministério (Lucas 1:77, 3:3). Não há como escapar que, para o autor de Lucas-Atos, o batismo (quer entendido como mergulho na água, na comunidade dos discípulos ou no espírito de Jesus), possibilitava por si mesmo o resgate ou absolvição dos pecados – ou estava, pelo menos, irreparavelmente associado a esse indulto.
Como que para reforçar essa vitória final sobre a transgressão e o ingresso num novo modo de vida (movimento duplo que, afinal de contas, consiste na leitura usual que fazemos do batismo), Pedro conclui sua resposta exemplar com essa mesma ênfase no pecado: “salvai-vos desta geração perversa” (v. 40).
Não estarei então, com essa história de paz e amor e de reforma social, sendo culpado de dourar a pílula e de minimizar as ênfases dos apóstolos na necessidade de uma nova vida de pureza não apenas social mas pessoal (ou, para chutar o pau da barraca, já que é nisso que estamos sempre pensando, pureza sexual)?
Quando Lucas fala em “remissão dos pecados”, de que pecados estamos falando?
Podemos, sem forçar nem um pouco a mão, supor que nos versos acima a “remissão (ou absolvição) dos pecados” refere-se a toda sorte de transgressões – das mais ligeiras às mais severas, das mais enraizadas às mais recentes, das mais distraídas às mais fogosas; podemos ainda, como fizemos há alguns parágrafos, supor que incluía tanto as faltas que podiam ser canceladas pela apresentação de sacrifícios quanto aquelas que nenhuma oferta podia apagar.
Porém não temos como saber ao certo, porque ninguém nos evangelhos ou no livro de Atos rebaixa-se a fazer uma lista de pecados ou a dividi-los em classes ou categorias. Fomos nós que mais tarde nos alçamos a preencher essa lacuna e empreendemos uma temerária tabulação (e talvez não exista pecado maior).
Isso não quer dizer, no entanto, que não haja indicação muito clara, nos evangelhos, de quais são na visão de Jesus e de João Batista os pecados mais condenáveis – porque temos de supor que as faltas que mais frequentemente reprovam representam para eles também os pecados mais graves. E, para surpresa e embaraço dos que se afirmam representantes legítimos da sua herança, os pecados que Jesus e seu precursor consistentemente denunciam não são aqueles que chamamos “da carne” – a promiscuidade, o adultério, a luxúria, a gula, a embriaguez e suas criativas e embraçosas variações, – nem os pecados que classificamos como espirituais – a idolatria, a incredulidade, a impenitência e seus et ceteras.
Para Jesus, nossas faltas mais graves são justamente os nossos pecados mais frequentes e mais públicos – e também os mais invisíveis, aqueles que precisamos de uma epifania, uma poderosa e inclemente intervenção exterior, para sermos capazes de enxergar. Porque para ele os pecados realmente graves não são os que promovem as distrações da carne ou as atrofias da irreligião, mas os que dizem respeito às relações entre as pessoas. Pecar não é rebaixar-se ao sensorial ou negar-se a dobrar-se à devida evidência; pecar é recusar-se a ser como Deus, e recusar-se a ser como ele é recusar-se a oferecer indiscriminadamente a misericórdia. Pecar é sonegar um abraço, um curativo e um lugar à mesa.
O incrível é que essa sua opinião seja endossada sem ressalvas por ninguém menos que João Batista, o asceta e o outsider, o profeta que pelo que sabemos não conheceu o abraço sexual, que se vestia de pelos de camelo, vivia monasticamente no deserto e recusava-se a se alimentar do que não lhe fosse entregue sem intermediários pela natureza. Como vimos há pouco, o próprio João Batista, embora mantivesse a sua sob controle, recusava-se a imprimir qualquer ênfase sobre os pecados da carne; os frutos do arrependimento que ele reconhece e recomenda dizem todos respeito à aplicação da misericórdia e da justiça na relação entre as pessoas1.
No Novo Testamento o pecado a ser abandonado, perdoado e corrigido está invariavelmente ligado à qualidade da nossa relação com o outro. Abandonar o pecado (ou, alternativamente, “vencer a carne”) é adotar um modo de vida e de pensar justo e igualitário, e talvez nenhum outro evangelista se esforce para deixar isso mais claro do que o autor de Lucas-Atos.
Já vimos que a questão da generosidade e da distribuição igualitária de recursos está no cerne da parábola do rico e do Lázaro (Lucas 16:19-31). Mas a inclusividade e a misericórdia são também as lições de outra parábola peculiar a Lucas, a história do bom samaritano (10:33-36). Tecnicamente o levita e o sacerdote não cometeram pecado algum passando ao largo do homem ferido na estrada; ao contrário, não seria fora de tom, naquele tempo, elogiar o zelo dos dois em manter a pureza ritual e, consequentemente, sua aptidão para participar do culto no Templo. Ao apresentar a generosidade sem critério e sem medida do samaritano que passou em seguida, Jesus está explicando (a seu modo sempre transversal) que o pecado dos dois primeiros não foi, incrivelmente, de natureza positiva, mas negativa. Ambos se tornaram condenáveis não por algo que fizeram, mas por algo que deixaram de fazer. Seu pecado foi omitirem-se.
Essa preocupação com a correção das injustiças sociais é um dos temas centrais da doutrina de Lucas. Como vimos, é apenas Lucas que explica que os frutos do arrependimento são demonstrações de generosidade e justiça. É apenas Lucas que faz Jesus dizer aos discípulos (e não apenas ao jovem rico) “vendam o que possuem e dêem como esmola” (12:33). A inclusividade e a misericórdia são ainda a chave da parábola (também peculiar a Lucas) do filho pródigo (15:11-32). É apenas Lucas que conta a história de Zaqueu (19:1-10), que viu a face da salvação no dia em que decidiu restituir as injustiças econômicas que havia imposto aos submetidos à sua influência. E, como estamos prestes a ver, esta ênfase humanitária e igualitária se estenderá muito inequicamente livro de Atos adentro.
E, embora seja Lucas a escancarar o tema, será preciso lembrar que este assunto e esta ênfase não são de modo alguma exclusividade sua. Para levantar um único e espetacular exemplo, basta lembrar a última porção (25:31-46) do último discurso público de Jesus registrado no evangelho de Mateus. Aqui o rabi de Nazaré está muito declaradamente separando ovelhas de bodes: a triagem final está sendo feita entre os que serão admitidos no paraíso e os que serão lançados sem trâmite no inferno. E, inacreditavelmente, na opinião de Jesus os pecados que merecem o inferno não são, nenhum deles, convencionais ou positivos. Neste que é o último momento e definitivo momento, o filho do Homem (e portanto o próprio Deus) não reserva uma palavra de condenação para os idólatras, os apóstatas, os adúlteros, os lascivos e os incrédulos. Escandalosamente, na cena final os condenados não são os que fizeram o que não era permitido, mas os que deixaram de fazer o bem ao próximo – “porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; era forasteiro, e não me acolhestes; estava nu, e não me vestistes; enfermo, e na prisão, e não me visitastes”.
A última mensagem de Jesus na narrativa de Mateus é, portanto, a mesma tão calorosamente avançada por Lucas ao longo do seu próprio evangelho e da sua continuação. Para nós a reviravolta reside em que, ao contrário de tudo que a tradição cristã levou-nos a pensar nos séculos que nos separam dos dias do Filho do Homem, pecar não é fazer o proibido: pecar é omitir-se. “Sempre que o deixaste de fazer a um destes mais pequeninos, deixastes de o fazer a mim”.
E ele não hesita em pontuar singelamente: “E irão eles para o castigo eterno, mas os justos [isto é, os que não se omitiram] para a vida eterna”.
Uma das tremendas singularidades dos evangelhos, portanto, está na sua insistência e na sua consistência em sugerir que todos os pecados são sociais – ou melhor dizendo, todos os pecados dizem respeito às relações interpessoais.
Esta realidade está encapsulada nos dois mandamentos que Jesus reconheceu como estando acima de todos os outros, as injunções de amar a Deus (sobre todas as coisas) e amar ao próximo (como nós mesmos). Se são esses os grandes mandamentos, são essas também as grandes transgressões. Pecar não é avançar contra o que é proibido, é mostrar-se em falta com as pessoas.
É por isso, naturalmente, que arrepender-se é abraçar a inclusividade e a misericórdia; porque fazer isso é deixar, finalmente, de pecar contra Deus e contra o próximo. É evidentemente isso o que Pedro está dizendo com este “salvai-vos desta geração perversa” – isto é, desassociem-se por completo do modo exclusivo/egoísta de viver e de pensar das pessoas deste mundo. E que Pedro cria que a alternativa à perversidade do mundo são a inclusividade e a generosidade (e não, digamos, o ascetismo e a religiosidade), ficará muito claro no que acontecerá depois.
Autor: Paulo Brabo
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