Louvor, Ontem e Hoje
Em dois mil anos de cristianismo, a igreja, provavelmente, nunca cantou tanto como na segunda metade do século XX e no início deste século XXI. A quantidade de cânticos e hinos que se tem produzido, publicado, gravado e tocado em rádios e TVs certamente não encontra paralelo na história. Muitos advogam que este é o "tempo do louvor", que a missão primordial da igreja é a adoração a Deus, que o resumo da vida cristã é o culto celebrativo, é a louvação ao Senhor.
Creio que há um equívoco nesta afirmação, pois biblicamente não encontramos base para afirmar que a missão principal da igreja é a adoração. Como a missão da igreja é uma extensão de missão de Jesus (cf. Jo 20.21b ) logo, a tarefa da igreja é direcionada também à evangelização, ao ensino e à ação social (cf. Mt 4.23; 9.35; 14.16; 28.19,20; Mc 1.14,21,34; Lc 4.15,18,19,44; 7.21,22 etc.). Foi isto, basicamente, o que Jesus fez durante seu ministério.
O louvor é também uma tarefa da igreja, que vem desde os dias do Antigo Testamento. A igreja primitiva prestava culto ao Senhor. Paulo, por exemplo, recomenda aos irmãos que louvem a Deus por meio de "salmos, hinos e cânticos espirituais" (Cl 3.16). Jesus louvou o Pai. Entretanto, não podemos partir para um exclusivismo a ponto de reduzir a missão da igreja à área de adoração.
Acredito que uma das razões de muitas igrejas hoje tornarem o louvor sua mais importante atuação resida no fato de que, para cumprir as outras tarefas (evangelização, ensino, ação social), é necessário ter desprendimento e disposição para trabalhar em favor do outro. Estas partes da missão da igreja nos fazem sair do imobilismo e vencer o individualismo, ao passo que a adoração - principalmente a que temos atualmente - favorece a perspectiva individualista da sociedade corrente, pois sendo o louvor algo entre o adorador e Deus, o maior "abençoado" é o próprio cultuante. Nas outras áreas da missão da igreja, o principal abençoado é sempre o outro, o que combina perfeitamente com toda a ética de Jesus e a sua missão (Mt 22.39; Jo 13.34,35).
Além disso, a igreja canta muito atualmente, como já foi dito, mas talvez ela nunca tenha cantado tão mal em toda sua história. Do ponto de vista tecnológico, da variedade de instrumentos e de ritmos, houve um crescimento e um enriquecimento monumental. Isto é ótimo. Do ponto de vista da qualidade poética e mesmo musical, não se pode afirmar o mesmo. Há hinos e cânticos maravilhosos, com poesia bíblica, ensino e qualidade musical excelentes. Mas, a maioria (creio eu), são cânticos de pobre qualidade musical e teológica, quando não, biblicamente errados.
Autor: Clemir Fernandes SilvaExtraído da revista COMPROMISSO, primeiro trimestre de 2003
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