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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A Rua



A Rua


Uma via de acesso que marca o espaço urbano de uma cidade.

Rua tem nome... Rua tem alma, porque ela conta histórias das pessoas da cidade que homenageiam seus cidadãos ilustres e as datas históricas que marcaram eventos.

Os nomes das ruas são homenagens àqueles que de alguma forma contribuíram para o bem estar da cidade, do país.

A rua marca a história, a saga de uma família, apesar do espaço ser o mesmo em que o cenário arquitetônico transmuta-se em outras paisagens no decorrer do tempo.

Cada pessoa tem uma história familiar na rua onde moraram. Entre muitas ruas que marcaram a minha vida, rua 24 de outubro na cidade de Itararé, interior de S. Paulo, é a que mais me marcou.

Por esses dia tive a oportunidade de caminhar por ela. Foi um momento impar na minha vida. Aproveitei curtir os momentos que a oportunidade me patrocinava na minha jornada nessa vida.

Isso porque, no meu meio século de existência, fazia alguns anos que não voltava a minha cidade natal, e aproveitei para matar as saudades dos parentes próximos.

Essa rua, particularmente, me traz recordações de um tempo que não volta mais, mas que consolidou minha personalidade, pelos eventos marcantes da minha vida que ali ocorreram.

Eu lembro-me de quando chegávamos do interior do Norte do Paraná, depois de uma extensa viagem de Jeep com minha família.

Itararé, quase divisa com o Paraná no interior de S. Paulo, a minha cidade Natal, era para mim a cidade grande; o moderno ali estava. O cinema da avenida S. Pedro, a Padaria do Marcondes da rua XV de novembro.

Meu pai viajava com toda a família de Jeep por longas 10 horas pelas estradas poeirentas, que naquele tempo que não tinha asfalto nas estradas oficiais.

A alegria de rever meus avós e meus tios, e primos era tanta que mal dormia naquela primeira noite de chegada. No dia seguinte, levantava-me bem de manhã para saborear um gostoso café com manteiga. O cheiro do café torrado, do pão feito em casa invadia as dependências da casa de minha avó.

Logo após o café, eu ia para o jardim que ela cuidava com tanto carinho. O cheiro da tinta nas latas, o cal na bacia de barro, o perfume das flores, essa cena e os odores que dela provinham me situavam no lugar prazeroso de minha infância, a casa dos meus avós. Meu avô era pintor de paredes e, ao lado do jardim, ficava o depósito de latas de tinta e os pincéis que ele guardava para pintar as casas.

Sentava-me no Hall de entrada da casa e ficava contemplando o céu.

Após o café da manhã, eu ia para o Hall da entrada do casarão e, naquelas manhãs iluminadas, ficava absorto no cenário, um céu sem nuvens. Ficava ali com meus braços entre os joelhos, com as mãos sobre o queixo, contemplando os transeuntes e observando
A paisagem, enquanto aguardava meus primos para brincarmos de bicicleta, pega-pega esconde-esconde.

O ritual da vaca amarela na hora do almoço, as brincadeiras no fim da tarde, a correria na praça à noite com todos os meus primos, que eram mais de treze, faziam a festa das minhas férias, tudo acontecia ali... Na Rua 24 de outubro.

Por esses dias após muitos anos, tive a oportunidade de viajar para minha cidade natal e passei em frente da casa de minha avó. Ela não existe mais... No lugar do casarão, uma linda residência de alvenaria com portões eletrônicos, de acesso controlado. Mas, o fato de estar ali naquele local foi como se retroagisse no tempo.

Assentei-me no meio fio, onde ficava o hall de entrada do casarão. Pousei meus cotovelos nos joelhos e coloquei as mãos no queixo, minha postura preferida no dia seguinte após a minha chegada na casa de meus avôs.

Por um instante, fechei os meus olhos. Confesso que foram momentos devocionais, onde a imagem das cenas passadas me vinham a lembrança. Os meus pais e meu avôs, e a maioria dos meus tios já não se encontram mais em nosso meio. Apenas a memória daqueles tempos memoráveis, me trouxeram lindas recordações.

Nesse universo macro de múltiplas cidades e avenidas iluminadas, existem ruas belíssimas nos grandes centros, mas especificamente essa que cito não se refere à beleza estética do espaço geográfico. Mas por mais paradoxal que seja, lá está o cenário mais belo. Estou falando de um pequeno espaço de dois quarteirões de uma ruazinha de uma cidadezinha do interior de S. Paulo, onde o que menos havia era beleza do contexto geográfico.

Mais uma vez, lá estava eu na minha rua preferida, Rua 24 de outubro, assentado quase no mesmo local. Percebi que no intervalo de um paralelepípedo e outro, surgia uma flor minúscula que sobressaia-se entre as saliências das pedras. Sentado na esquina em que antes ficava situado a casa dos meus avôs, me emocionei ao contemplar as pedras de paralelepípedos quase que eternas naquele chão. Essas pedras são como couraças da rua. Novamente, estava ali na minha rua preferida.

Era como se eu recebesse uma mensagem. Estava na rua mais linda da minha história.

Estou falando da beleza dos momentos que ali passei. A rua da casa de minha avó materna me fez lembrar um tempo que desapareceu nos grandes centros. Um centro de convivência familiar onde havia sentido ser família.

É a minha história, o início da formação de minha personalidade.

A rua está lá, num espaço geográfico onde tudo aconteceu. Momentos lindos que marcaram minha infância e o início de minha adolescência.

Percebi nos pequenos espaços que separavam as pedras uma das outras, uma tenra e minúscula flor vermelha que se sobressaia entre a graminha verde, que teimosa insistia a estar ali apesar dos pneus dos velozes veículos de nosso tempo. Eu ali... Sentado, quarenta anos mais tarde... E olhando aquela florzinha, é como se a rua me dissesse “a vida continua...”. Outras pessoas construíram a sua história e outras estão construindo na mesma rua, no mesmo espaço que foi palco de uma vida de uma numerosa família.

A rua do picolé colorido, das pipas, da bolinha de gude, do triciclo. A Rua do Biju, do jornaleiro, a rua do leite e do pão fresquinho que o padeiro deixava na porta pela manhã.

É impossível não se emocionar diante de um céu iluminado, diante de um cenário onde as cenas da minha infância se desenrolaram.

Refleti nessas coisas sutis que a vida cria, e haveis de compreender então a razão por que os humildes limitam todo o seu mundo à rua onde moram, e por que certos tipos, os populares, só o são realmente em determinados quarteirões.

Sem dúvida, o dia 30 de novembro de 2008 foi um dos dias mais felizes de minha vida. Foi um presente do acaso premeditado, pois fui parar na minha rua preferida para matar as saudades.

Quantas coisas aconteceram ali. Vi os transeuntes, os moradores da rua... percebi dois garotos na calçada. A rua reiniciando a história na vida de outras pessoas.

Parafraseando aqueles versinhos,
“Se essa rua, se essa rua fosse minha,
Eu mandava, eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes”
Para o meu coração alegre sempre estar.

Agradeci a Deus, pela vida dos meus avós, dos meus pais. Levantei-me e continuei minha caminhada. A vida continua... A rua continua... Na sua missão sagrada, testemunhando e capturando as almas das pessoas que por ali viverem.

Autor: Pedro Almeida


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